Análise da obra
A obra foi baseada num fato
real: a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em
1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da
narração de Aluísio Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências
da sociedade sobre o indivíduo sem qualquer idealização romântica,
retratando rigorosamente a realidade social trazendo para a literatura
um Brasil até então ignorada.
Autor fiel à tendência naturalista
difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra,
problemas como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as
injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões chamadas familiares,
onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na
capital. Diferente do romantismo, o naturalismo enfatiza o lado
patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o comporta-mento
das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.
Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem (
O Mulato) e o romance de espaço (
O Cortiço). Como em
O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em
O Cortiço,
a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona,
motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para
evitar a degradação.
As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.
Romance naturalista de 1884, em que o autor, de carreira diplomática
bastante acidentada, move personagens que se coadunam perfeitamente com a
análise dos críticos de que seus tipos são, via de regra, grosseiros,
não se distinguem pela sutileza da compreensão, nem pela frescura dos
sentimentos. São eixos de relações da estrutura da presente narrativa a
Província - Maranhão, a Corte - Rio de Janeiro, a casa paterna e a casa
de pensão.
Estilo O naturalismo está
plenamente representado em Casa de Pensão desde a abertura do romance,
quando Amâncio aparece marcado fatalisticamente pela escola e pela
família: uma e outra o encheram de revolta. Por causa de um castigo
justo ou injusto,
"todo o sentimento de justiça e da honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia:
"Esta mulher tem reuma no sangue e o menino pode vir a sofrer para o futuro."
Amâncio é uma cobaia, um campo de experimentação nas mãos do
romancista. Nele o fisiológico é muito mais forte do que o psicológico. É
o determinismo que vai acompanhar toda a carreira do personagem.
Está presente também na obra o sentido documental e experimental do
romance naturalista, renunciando ao sentimentalismo e à evasão, procura
construir tudo sobre a realidade. Como já mencionado, a estória do
romance se baseia num caso real.
Linguagem
Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos pormenores
descritivo-narrativos de tal modo que a estória caminha devagar, lerda e
até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para se dar ao leitor
uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas minúcias se
estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio, por
exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis de uma sala
até os objetos mais miúdos.
Não se pode dizer que a linguagem
do romance é regionalista; pelo contrário, o padrão da língua usada é
geral e o torneio frasal, a estrutura morfo-sintática é completamente
fiel aos padrões da velha gramática portuguesa.
Como Machado de
Assis, Aluísio Azevedo também usa alguns recursos desconhecidos da
língua portuguesa do Brasil, principalmente na língua oral. Assim, por
exemplo, o caso da
apossínclise
(é uma posição especial do pronome oblíquo que não escutamos no Brasil,
mas é comum até na língua popular de Portugal). São exemplos de
apossínclise:
"Há anos que me não encontro com o amigo." (Há anos que não
me...)
"Se me não engano, você está certo." Em
Casa de Pensão essa posição pronominal é um hábito comum.
Foco narrativo
O autor escolheu o seu ponto-de-vista narrativo: a terceira pessoa do
singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos
personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias
fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio
Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.
Temática Como em
O Cortiço,
Aluísio de Azevedo se torna excepcionalmente rico na criação de
personagens coletivos: a casa de pensão, tão comum ainda hoje, no Brasil
inteiro, tem vida, uma vida estudante, nas páginas do romance. Aluísio
conhecia, de experiência própria, esse ambiente feito de tantos quartos e
tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes, nivelados pela
mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns retratos
com evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a
caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do
leitor: a casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam
aspectos novos, as pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou
deformadas por essa vida comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se
desencontram, se amontoam e se separam tantos indivíduos transformados
em tipos, conhecidos, às vezes, apenas pelo número do quarto. Em
O Cortiço o meio social é mais baixo; na
Casa de Pensão é médio.
Às doenças morais (promiscuidades, hipocrisia, desonestidades,
sensualismos excitados e excitantes, ódios, baixos interesses,
dinheiro...) se misturam também doenças físicas (o tuberculoso do quarto
7 que morre na casa de pensão, a loucura e histerismo de Nini...). Foi o
que encontrou Amâncio na
Casa de Pensão de Mme. Brizard. Fora
para o Rio de Janeiro, para estudar. E, num ambiente como esse, quem
seria capaz de estudar? É verdade que o rapaz já trazia a sua
mentalidade burguesa do tempo: o que ele buscava não era uma profissão,
mas apenas um diploma e um título de doutor. Ele, sendo rico, não
precisaria da profissão, mas, por vaidade, de um status, de um anel no
dedo e de um diploma na parede. Essa mania de doutor, doença que pegou
no Brasil, já foi magistralmente caricaturada em deliciosa carta de Eça
de Queirós ao nosso Eduardo Prado: "A nação inteira se doutorou. Do
norte ao sul do Brasil, não há, não encontrei senão doutores! Doutores
com toda a sorte de insígnias, em toda a sorte de funções!! Doutores com
uma espada, comandando soldados; doutores com uma carteira, fundando
bancos: doutores com uma sonda, capitaneando navios; doutores com uma
apito, comandando a polícia; doutores com uma lira, soltando carnes;
doutores com um prumo, construindo edifícios; doutores com balanças,
ministrando drogas; doutores sem coisa alguma, governando o Estado!
Todos doutores..." O próprio Aluísio de Azevedo abandonou a Província
para buscar sucessos na Corte (Rio de Janeiro) e, certamente também, um
título de doutor...
Personagens Os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais:
Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.
Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.
Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona da casa de pensão:
João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).
Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça.
Enredo
Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos), rapaz rico e provinciano,
abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de Janeiro (a Corte) a
fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha
com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e vazio de
propósitos de estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como
sempre fora no trato meio distante com o filho. O rapaz tinha que se
tornar um homem.
Amâncio começa morando em casa do sr. Campos,
amigo do Pai, e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia começar
agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às
imposições do pai e do professor, o implacável Pires.
Por
convite de João Coqueiro, co-proprietário de uma casa de pensão, junto
com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com
as maiores preferências: os donos da pensão queriam aproveitar o máximo
de seu dinheiro e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de
Coqueiro. Um sujo jogo de baixo interesses, sobretudo de dinheiro.
Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a
super-sensualidade do maranhense.
"Ele, coitado, havia
fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação de seu
caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado,
porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."
A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade
generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono:
havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a
pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e
rico estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro.
Para alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia,
principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos
cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre
mantendo as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo
João Coqueiro...
O pai de Amâncio morre no Maranhão. A mãe
chama o filho. Ele pretendo voltar, logo que terminarem os seus exames
de medicina. Era preciso que o filho voltasse para vê-la e ver os
negócios que o pai deixara. Mas o rapaz está preso à casa de pensão e a
Amélia: este o ameaça e só permite sua ida ao Maranhão, depois do
casamento. Amâncio prepara sua viagem às escondidas. Mas, no dia do
embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais o prende para
apresentação à delegacia e prestação de depoimentos. Amâncio é acusado
de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo: o caso foi entregue ao
famigerado e chicanista Dr. Teles de Moura. Aparecem duas testemunhas
contra o rapaz. Começa o enredado processo: uma confusão de mentiras, de
fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os
interesses pecuniários de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância
geral na imprensa e, na maioria, os estudantes se colocam ao lado de
Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas
Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio
escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. E se coloca contra quem não soube
respeitar nem a sua casa...
Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido. O rapaz é levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.
"Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma
mulher famosa." Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o
estudante absolvido. E lhe atiravam flores, Ouviam-se vivas ao estudante
e à Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa. Parecia um
carnaval carioca.
Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e
ouvindo tudo. A alma envenenada de raiva. Em casa o destampatório da
mulher que o acusava de todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o
pagamento do seu depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram
cartas anônimas com as maiores ofensas. Um homem acuado...
Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E pensou em se matar. Carregou a
arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve coragem. Debaixo da sua janela,
gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter... No dia seguinte,
de manhã, saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se
encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta.
Amâncio dormia, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima.
Coqueiro atirou a queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os
olhos, não vê mais ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.
Coqueiro foi agarrado por um policial, ao fugir. A cidade se enche de
comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio.
Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de
políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A
tragédia tomou conta de todos.
A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição: afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...
Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro, se
viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, ela descobriu
o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em
sangue. Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João
Coqueiro, no Hotel Paris...